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Fonte: http://www.tema-livre.com/desabafo/ |
"A irracionalidade de
uma coisa não é argumento contra a sua existência, mas sim uma condição para
ela."
(Nietzche)
Essa frase, que achei por
acaso ao procurar outra, reflete exatamente o que estou vivendo neste momento.
Há 9 anos convivo com a
esclerose múltipla e em meados de 2015 ela resolveu acordar com força total. Estava naquele momento com três
lesões novas no meu cérebro e com outras duas placas antigas em atividade. A
questão é que sempre levei tudo na brincadeira, não por ser forte como muitos
pensam, mas, por ser fraca demais e incapaz de encarar a doença. Foi por
isso que sempre a NEGUEI!
Fato é que sem sentir muito
bem as pernas e estando extremamente tonta, percebi que a esclerose resolvera
acordar e que a luta havia começado! Podia ser que a cortisona resolvesse o
surto e eu ficasse bem de novo, mas, até quando? E podia ser que também não
resolvesse! O ponto é que eu precisava, mais do que ninguém, entender e aceitar
o caráter finito de toda e qualquer vida. JAMAIS compreendi e acho que por isso
fico sempre desesperada de pensar em como todos os que gostam de mim viverão
sem a minha presença e ou, lidarão com uma possível futura invalidez. Na
verdade, já me sinto um pouco inválida por não conseguir fazer tudo o que
fazia. Por não conseguir não ficar tonta! Por sentir um cansaço atroz e uma
preguiça que advém da fadiga e da depressão!
Não serei hipócrita de dizer
que fiz tudo o que queria na vida. Na verdade, sempre falta algo e essa é a
graça da existência que conscientemente enxergo, mas que não consigo
aceitar intrinsecamente.
Queria ter outro filho, ter
mais dinheiro para sustentá-lo e queria viajar mais por aí (vencendo o medo de
avião). De resto, eu não QUERO mais NADA! Mas, infelizmente, todas essas coisas
naquele momento já não eram possíveis ou, ao menos, não prudentes.
Então, lidando com o que era
plausível: o que queria era que a cortisona fizesse efeito, mas, se por acaso
não fizesse, eu gostaria apenas que todos se lembrassem da Liane que conheceram
até 2013. Quando comecei a me sentir muito tonta e aos poucos fui piorando Não
queria a pena de ninguém, sobretudo se eu não morresse, mas, entortasse!
Pessoas "tortas ou abobadas" ainda são pessoas e merecem dignidade.
ISSO PARECE ÓBVIO, eu sei! Mas na prática não é fácil! Eu, hoje, esclerosada
há 9 anos, estou aprendendo ainda a lidar com meus colegas esclerosados e
cadeirantes do Hospital do Fundão e eu digo NÃO É FÁCIL! QUE VERGONHA DE MIM,
POR ISSO!
Pode ser que demore pra isso
acontecer ou que NUNCA aconteça. Mas a morte é certa pra todos e peço a vocês
que reajam da mesma forma. Que reajam naturalmente, pois a morte deve ser
natural. Ela é a única certeza da vida!
Não quero interjeições do
tipo: "Ela era TÃO
jovem!" "ela lutou tanto e não adiantou!" "Que
tristeza!" "Coitado do filho dela!" E tampouco quero meus amigos
e minha família tristes. Pelo contrário, quero uma bela festa com um bom
samba e quero que cuidem/acompanhem o Lucas sempre com felicidade porque
ele é muito alegre e merece seguir assim!
Naquela época comecei a
escrever porque a doença me faz refletir. Na verdade, a doença me
dá algo que muitos de nós não valorizamos: a esclerose e a
possibilidade de ficar ruim a qualquer momento me dá a chance e a garra
pra aproveitar cada segundo, mesmo que passando mal (tonta, com dor, sem sentir
os braços e pernas) como se fosse o único, o último bom e são! Eu não
gostava de fotos. Agora, as amo! Elas ficam pra posteridade. Elas captam
a essência dos momentos! A esclerose, sobretudo, me dá múltiplas
possibilidades de agradecer, de me despedir e de dizer te amo a todos que
desejo e, da mesma forma, de receber isso das pessoas que gostam de mim! Minha
avó morreu há 3 anos e fico triste de não ter ido vê-la. Ali comecei a entender
verdadeiramente o que está culminando nesse texto! Que tudo passa, a gente
também passa! A questão não tem que ser a morte e sim a força e a vontade com
que se vive!
Em 2015, parei e chorei 5
horas sozinha dentro do quarto e parece que consegui progredir mais do que em
anos de EM e terapia. Acho que finalmente entendi que existem coisas que
não são controláveis e que morrer ou entortar não é derrota alguma e, sim,
fatalidade! SE E QUANDO ISSO OCORRER, A CULPA NÃO VAI SER MINHA! Eu não vou ter
perdido a guerra, mas sim, ganhado anos de batalhas.
Uma vez... o chefe do meu
chefe (grande homem) me disse: "você pode até morrer da doença, mas não
pode deixar ela te vencer!" E é por isso, que tonta ou não, triste ou não, sozinha ou não, vou viver até o FIM! É assim que quero que as pessoas me vejam!
Sem pena! E que saibam que eu não guardo rancor e ressentimento de NINGUÉM! Assim
eu me despeço e vou curtir a noite, porque a vida segue e o tempo não pára!
Liane Moreira
Bióloga
Possui Licenciatura em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2007) e graduação em Ciências Biológicas (modalidade Ecologia) pela mesma universidade (2009). Possui mestrado em educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2013) e mestrado em Biodiversidade e Unidades de Conservação pela Escola Nacional de Botânica Tropical (JBRJ) (2015).É servidora pública do estado do RJ, atuando como bióloga na Diretoria de Biodiversidade e Áreas Protegidas no Instituto Estadual do Ambiente (Inea-RJ), desde de 2010.É mulher, mãe, esposa, diagnosticada com esclerose múltipla desde dezembro de 2007 (na época, aos 21 anos) e autora do blog “Liemmim”, desde novembro de 2015, quando a esclerose resolveu acordar. O blog destina-se a mostrar os desafios da autora no cotidiano com esclerose: medos, anseios, hobbies, frustrações, sonhos e muito mais.Leonina, teimosa, humana, lotada de defeitos e amante da vida, vem buscando se conhecer dia após dia, tentando tornar a esclerose um terreno fértil de possibilidades para além das barreiras que a acompanham, através da reflexão profunda, busca, mudança de percepções e “escritoterapia”.
Nossa Liane, adorei seu texto!!!! Fiquei bastante emocionada e me identifiquei. Depois de anos do diagnóstico, a EM também "se materializou" em mim em 2015/2016. Ainda estou tentando digerir ... tá bem difícil, mas ... Vamos seguindo ;)
ResponderExcluirAinda bem que gostou!! Obrigada e aos poucos vamos caminhando, um passinho de cada vez. Abraços, e gratidão.
ExcluirAmei suas palavras!! Parecem até escritas por mim mesma!!!!!!!!!!
ResponderExcluirFico feliz que tenha gostado e espero ajudar sempre com a troca de experiências...
ExcluirAbraços e gratidão,
Pelo que sei essa doença não é fatal e sim invalidante e degenerativa. Altas doses de vitamina D brecam o progresso da doença e há melhoras ( muitas) na maioria dos casos. Obrigada Dr. Cícero Galli Coimbra.
ResponderExcluirAcho de tamanha prepotência alguém que se denomina "O Saber"... Até porque, acredito em saberes múltiplos, mas, vou me ater à EM, foco do presente texto. A doença é fatal sim, mas em poucos casos (espero que não seja o meu). Não a vejo apenas como invalidante e degenerativa, mas, também, neuro inflamatória que pode se manifestar de formas absurdamente diferentes em cada paciente. Sempre em todos os meus textos, deixo claro que não sou médica, ainda que membro da área de saúde, e que minhas palavras refletem minhas emoções com/de/para/apesar da EM. Todos são livres para gostar ou não. Mas, palavras ditas, não voltam à boca e somos responsáveis por TODAS elas. Atenciosamente,
ExcluirNossa lindo o seu relato, e me identifiquei várias vezes quando li
ResponderExcluirShow ehm 👏👏👏
Obrigada Dubles. Como sempre digo... o SHOW tem que continuar!
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